domingo, 25 de março de 2012

Mais alguns escritos que fiz quando estava estudando para a palestra


             Quando ouvimos uma peça musical ela desencadeia uma rede de atividades neurais em nosso cérebro, e qualquer busca no Google faz referência, quase já como um clichê,  ao fato científico de que toda a nossa massa cinzenta fica ativa; nosso cérebro ouve música e fica piscando naquelas cores vivíssimas das tomografias computadorizadas, ilhas vermelhas e ilhas amarelas banhadas por um mar de azul que as atravessa em ondas. A música, ou o som, mais exatamente – nem todo o som é música, como veremos adiante – realmente é um fenômeno percebido,  diretamente, apenas por um único sentido, o da audição, mas que exatamente como todos os outros sentidos que possuímos, é processado por nosso cérebro em todas as dimensões possíveis de se imaginar – o imaginar aqui entendido de maneira incrivelmente literal.


LEMBRANÇAS LIGADAS a MUSICA

              Muitas das canções que até hoje escuto, algumas pelo menos uma vez por semana, estão diretamente ligadas a experiências do meu passado, e por uma ou outra razão – desde lembrar da música ao ouvir uma outra parecida, ou ouvi-la quando pensava em algo específico ou até a letra, que tem alguma significação ou remetência a algo que me aconteceu – simplesmente não consigo esquecer, desconsiderar isso enquanto as escuto. Sei exatamente quais os acordes, sei os solos, em algumas delas eu poderia regravar sozinho todas as partes, de todos os instrumentos, de tantas vezes que já as ouvi e já as toquei. Existem canções das quais tenho todas as partes decoradas, as vezes até gravo-me tocando tudo para ver como fica.  Detenho uma relação epistemológica, matemática, tecnica quanto a natureza mecânica dos instrumentos envolvidos e  também possuo a destreza mecânica e ritmica para a execução destes instrumentos, mas ainda assim - ou apesar disso -  a peça continua a me lembrar do café com leite morno, bem doce que meu pai bebia nos sábados de manhã junto comigo. Essa lembrança que tem mais de 30 anos já, desencadeia em mim uma sensação de nostalgia enorme e sinto uma vontade louca de reviver aquele momento, de voltar mais uma vez até àquele instante e viver novamente a sensação que agora apenas lembro haver sentido.

É AQUI QUE A PARTE DA MANIPULAÇÃO DAS PESSOAS PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO UTILIZANDO A MÍDIA PODE SER TRATADA, SE JÁ NÃO O TIVER SIDO

              Certo, já entendemos que nosso cérebro liga, associa a música com outros eventos, com outras ações no mundo, ou ainda com outro pensamento que se revese com a música na lupa de nossa consciência. Mas isso explica que ligamos a música a uma outra ação de nosso intelecto ou emoção mas não explica como é que nosso cérebro distingue entre o que é e o que não é considerado música.

AQUI JÁ EXPLIQUEI COMO É QUE O CÉREBRO LIGA SONS, MÚSICAS, CANÇÕES, A EVENTOS, E SENSAÇÕES, COMO SE FOSSE, LITERALMENTE, A TRILHA SONORA DE NOSSA INTERAÇÃO COM O REAL.  PODE-SE CITAR COMO, por EXEMPLO, O FATO DE QUE DESDE O COMEÇO DO CINEMA – COMO UMA REPRESENTAÇÃO DO REAL, A DIMENSÃO SONORA ESTEVE PRESENTE. TODOS OS CINEMAS TINHAM PIANISTAS, EM ALGUNS LUGARES 2 OU 3, QUE ACOMPANHAVAM AS CENAS E FAZIAM UMA TRILHA INCIDENTAL DURANTE TODAS AS CENAS.

LITERALMENTE, NOSSA PERCEPÇÃO DO REAL ENQUANTO COISA QUE SE VÊ, É REFORÇADA E CLARIFICADA, OU PELO MENOS DEFINIDA, QUANDO AGREGAMOS A ELA O SOM.  ESSA  PERCEPÇÃO É TÃO TENDENCIOSA NO SENTIDO DE PRIORIZARMOS O SONORO E NÃO O VISUAL – ME REFIRO AQUI A REPRESENTAÇÃO DO REAL PARA QUEM É PLATEIA, QUE PODEMOS DIZER QUE MUSICA SEM IMAGEM É MAIS DO QUE IMAGENS SEM SOM QUE ATÉ HOJE ESCUTAMOS MÚSICA SEM A IMAGEM – PODERÍAMOS CONCEBER UM MUNDO PERFEITAMENTE POSSÍVEL, CULTURALMENTE, ONDE NÃO SE ACEITASSE MAIS OUVIR MUSICA SEM A IMAGEM DE SEUS EXECUTANTES

 – MAS O CINEMA MUDO, A IMAGEM SEM SOM, CAIU EM DESUSO NO PRIMEIRO INSTANTE EM QUE FOI POSSÍVEL FILMAR COM SOM. Chaplin FOI UM DOS ÚLTIMOS DIRETORES A ADOTAR O SOM, E QUANDO O FEZ, PRATICAMENTE FORÇADO, CRIOU UMA ESQUETE NO FILME ONDE INTERPRETAVA UM MILIONARIO RUSSO, QUE TENTA CONQUISTAR UMA garota DA PRESENTES, PEDE BEIJOS E OUTRAS INTIMIDADES, AS QUAIS A GAROTA ENTENDE E USA A SEU FAVOR,  chaplin  faz isso cantando, USANDO SUA PRÓPRIA VOZ E COM SOTAQUE RUSSO, MAS SEM DIZER NEM UMA ÚNICA PALAVRA! A LINHA MELÓDICA DA MÚSICA, OS CROMATISMOS E A FORMA AB, TUDO É MUITO INTELIGENTE E BEM ACABADO, O TAPA DE LUVA AOS DEFENSORES DO CINEMA FALADO -  Chaplin entendia que APENAS O CINEMA MUDO ERA REALMENTER ARTÍSTICO – FOI O DE  MESMO COM A MÚSICA E O SOM E A VOZ, ELE CONSEGUIr FAZER A MESMA ESTÉTICA DO MUDO, INDEPENDENTE DE TODO O RESTO.  E QUANDO EU DISSE QUE ELE FEZ SOTAQUE DE RUSSO, ISSO É CORRETO MAS ENTENDENDO QUE FOI APENAS UMA ONOMATOPEIA RUSSA COM OS SONS DA LÍNGUA RUSSA MAS SEM SIGNIFICAÇÃO ALGUMA, AFORA A  eNTONAÇÃO.               

 – a música esta, que eu ouvi junto com meu pai talvez uma única vez, provinha de um rádio mono que ficava em cima da geladeira. Essa geladeira, bem como a tampa do forno que minha mãe usava seguido para fazer pão, e a porta da rua que tinha uma fechadura antiga com aquelas chaves grossas como chave de castelo, todos estes objetos faziam barulho, produziam som e eu os ouvia com muito mais frequência do que a canção esta. Porque não lembro de nenhum deles, então? Como é que o meu cérebro infantil conseguia distinguir o que devia ou não entrar nas minhas lembranças, ou colocando de um modo mais dramático, como é que eu defini tão perfeitamente, e sem o saber – pelo visto - o que qualquer ouvido adulto e treinado reconheceria ser música?
                                     
Os sentidos humanos, mais específico

              Não sei se o paladar consegue nos transmitir padrões matemáticos, mas garanto que nunca os senti na boca (um riso), assim como também nunca senti o cheiro do 3 ou do 5; por estarem ligados a algo que nos é muito caro - os hormônios e as comidas – em nossa prehistória seu uso era centenas de vezes mais importante e mais determinante pra nossa sobrevivência – olfato e paladar são sentidos – canais de entrada do mundo para nosso cérebro – muito populares, muito discutidos entre as pessoas. Pare pra pensar no quanto da tua relação com o mundo é olfativa; eu lembro do cheiro de podre de um pedaço de madeira, um pequeno tronco, que ficava nos fundos de uma casa onde eu morava quando tinha 3 anos, e de todas as casas onde morei lembro o cheiro. Não vejo imagens se movendo em minhas lembranças, é tudo como fotos, geralmente escuras e com pouca ou nenhuma cor- um tipo de preto com marron no mais das vezes – mas lembro do cheiro de muitos dos objetos e pessoas que vejo. Uma vez, em um ensaio de coro falei da minha relação com o olfato e os cantores me desafiaram a adivinhar quem eram as pessoas apenas pelo seus cheiros; olhando-as, cheirei 5 pessoas, algo como uns 3 segundos cada, porque muito tempo do mesmo cheiro satura e borra, e depois fui vendado e cheirei elas, em ordem aleatória, novamente. Acertei todos, de primeira, e acho que se forem pessoas conhecidas de longa data, eu consigo fazer com o dobro ou o triplo de pessoas, é algo ainda a experimentar.
              O tato é outro sentido subestimado. O ser humano consegue ler – cito isto porque ler, com qualquer sentido possível já é por sí só um feito incrível -  qualquer texto com as mãos sem precisar ver e sem precisarouvir nada. Veja o poder deste sentido; tenho uma sobrinha que não vê e que está começando a estudar piano.tu sabia que existem partituras para cegos que são lidas com as mãos; o musicista lê com uma e toca a outra, por fim decorando as duas e as executando juntas. Podemos ainda viajar mais no tato e pensar que se uma doença misteriosa afetasse a espécie humana e perdêssemos a capacidade da fala e da visão simultaneamente, ainda assim toda a nossa cultura escrita, se preservada em Braile, continuaria a disposição de quem desejasse se instruir.
              Mas convenhamos que o sentido matemático por principio é o da visão. Com ele podemos apreciar diretamente varias categorias matemáticas literalmente a olho nú, e estudando suas regras e aplicações de metragem e proporção, a visão ferramentada pela matemática possibilitou ao homem, desde as priscas eras reproduzir o real e perpetuar essa representação para o futuro – aqui é ainda é de um sentido mais poderoso, o mais de todos no meu entendimento. Se fôssemos iguais em tudo mas sem a visão, apenas isso já faria de nossa espécie algo tão diferente do que somos e do que imaginamos ser que não me parecer possível conjecturar nem a mais geral propriedade que teríamos, como agentes do mundo, como seres que raciocinam, que pensam abstratamente. Como construir uma  dimensão abstrata se não temos o que abstrair, ora? Como seria o sitema filosófico, ético de uma sociedade cega e muda? Como seria, eu me pergunto, o seu humor, suas piadas? Certamente o alfato e o paladar estariam muito mais presentes, além do tato. Haveria gente lendo com os cotovelos, com a língua, com a orelha e com outras partes que não quero nem pensar. Nos cumprimentaríamos com cheiradas e lambidas e os cães teriam com as pessoas uma relação bem mais íntima do que temos hoje.
              Pois é. Olfato, paladar, tato e visão; 4 de 5 sentidos, não é? pois repassando o texto que acabei de escrever, vi que os sentidos têm todos, as vezes juntos e as vezes separados, a função de nos informar o que acontece do lado de fora da gente, e ao mesmo tempo em que perceber isso me enche de emoção e orgulho me dou conta de que  na verdade isto é um troço até meio óbvio, sabe? É legal, é impressionante mesmo, mas se pensarmos bem, tinha que ser assim. Se estes sentidos não fossem todos eles as maravilhas de coleta de informações sensorial, a nossa relação toda com o mundo, nossa interação toda com o mundo não existiria, e não seríamos mais gente, mas uma outra coisa que não sei o que é.

Focar no ouvido

              Agora que já expus minha opinião sobre a importancia dos sentidos para a nossa construção do Real, vamos nos ocupar daquele sentido que é o sentido de nossa palestra. De um modo diferente mas mesmo assim muito presente, muito constante, a audição é um sentido mal compreendido, caro leitor. Para começar, estão sempre comparando nossa capacidade de ouvir com a de outros animais que ouvem frequencias mais agudas, ou outros que ouvem frequencias mais graves, e que podem ser ouvidos a 50 quilômetros de distância – há evidências de que as baleias se escutam a distâncias de mais de 10 mil quilômetros  – e essa semana recebi um video mostrando 15 minutos de um cão tocando piano com as patas, junto do argumento de que o animal possuia ouvido absoluto. Mas é raro ver, ouvir ou mesmo ler sobre o que nosso ouvido tem de incrível em precisão, o que nosso ouvido tem de único, e o grosso das pessoas não acredita que seus ouvidos sejam capazes de mais do que aquilo que todo o ouvido tem que fazer; ouvir um carro se aproximando, passos no corredor, o bipe do microondas ou o telefone tocando. Realmente, o nosso ouvido foi desenvolvido para funções muito mais simples do que as que com a civilização acabamos por desenvolver, nosso ouvido adaptado para o universo sonoro da floresta e da savana, para diferenciar pelo peso do som se o animal que se aproxima a noite é nocivo ou não, capaz de reconhecer uma voz específica em meio a mais de 2 dúzias de outras gritando ao mesmo tempo, e portanto de identificar corretamente a proporção matemática interna de frequências sobrepostas, muitas vezes 5 delas ao mesmo tempo! Nosso ouvido nos permite ainda uma outra coisa maravilhosa; ele nos serve de canal de entrada para conhecimento matemático, quase tanto quanto a visão! Vou explicar melhor com alguns exemplos práticos.
              Agora que já demonstrei que podemos usar a música para organizar padrões ritmicos, acho que posso pedir que este sentido seja promovido a um patamar mais alto em nosso roll de atenção e conejcturas. Normalmente nosso ouvido é elogiado por sua capacidade para a música, não é? Mas tu já reparou que depois disso ou vira uma descrição sem fim de algum misterioso atributo emocional, algum dom, algo do divino, do sobrenatural, do sublime; quando há uma tentativa de ligar algum compositor, alguém tira um Bach do bolso ou saca um Mozart e quando vemos já estamos tendo uma daquelas conversas de louco ‘pois é, gênio é gênio – essa música é maravilhosa, isso é que é música’ ou então volta aquela conversa fiada de que só alguns poucos privilegiados tem o dom do ouvido e bla bla e bla. Poucas são as pessoas que param para pensar no porque gostamos tanto de ouvir alguns sons, algumas combinações de som e silêncio, determinado timbre ou região de um registro, ou colocando de outro jeito, poucas são as pessoas que se perguntam por que gostamos tanto de música.
      
matemática

               Uma vez, na praia vi um homem brincando com seu cachorro; o homem jogava uma bola de jogar taco, de borracha, para o alto, sempre de modo a cair dentro da água, no razinho. O cão acompanhava com os olhos enquanto corre corrigindo o ângulo de sua corrida pelo movimento eliptico da bola no ar. Muita gente ignora, mas o cérebro deste cão faz cálculos matemáticos bem complicados de explicar – eu não consigo nem saber quais são, mas é fato que o cérebro, tanto do cão quanto o nosso – calcula probabilidades, distâncias, estatísticas, soma, divide e subtrai, tudo isso mesmo que nunca venhamos a frequentar a escola. Quando vamos ao colégio, a função dos professores de matemática é a de nos ensinar a nomenclatura das ferramentas que 5000 anos de história do pensamento matemático deram a espécie humana e nos ensinar a transformar em notação matemática – e com isso obter um grau infinitas vezes mais preciso - aquilo que percebemos e pensamos sobre o real.
              Muitos de nós não conseguem desenvolver isso e acabam, infelizmente para a espécie, ficando de fora de todo o universo de intelectualidade que uma consciência matemática desenvolvida e instruída pode nos oferecer.  Um exemplo bem ilustrativo do quanto o raciocínio matemático está presente na mente de todos nós é nossa capacidade de reconhecer padrões; código morse, para ficarmos num exemplo diretamente ligado ao nosso tema.  Reconhecemos o tamanho de cada som no tempo, sua duração, e organizamos grupos aleatorios desses sons em letras e depois sílabas, depois palavras, frases e parágrafos inteiros. Ouvi falar mas não sei se é uma fonte confiavel, mas ouvi falar que os telegrafistas escreviam e liam na mesma velocidade em que uma pessoa escrevendo em letra cursiva. De qualquer maneira fica demonstrado que organizar padrões simples que se organizam em varias camadas de complexidade sempre crescente de padrões é um dos princípios que organiza o proprio raciocínio matemático. Pensando bem, quando olhamos para um quadro que nos emociona, ou uma paisagem real que se abre a nossa frente depois de uma curva, de uma esquina, também estamos identificando, calculando padrões de distância entre os objetos que vemos e outras dezenas, centenas de milhares de calculos por segundo, como o cão que vi corrigindo o seu movimento conforme o ângulo da boa jogada pelo seu dono, para padrões de cor, de iluminação e, que é o que mais nos interessa aqui, padrões de som.

sábado, 24 de março de 2012

Tudo o que todo mundo tem que saber sobre Música – no mínimo, tá? OU COMO TE CONVENCER DE QUE TEU CÉREBRO É REALMENTE CAPACITADO PARA A MÚSICA


              

Vamos voltar no tempo. Estamos agora a 40 mil anos atrás. Que tipo de ser humano vive nesse período da nossa Pré-História? Tu já notaste que nas imagens que vemos na mídia sobre o homem Pré-Histórico, é comum a representação de um ser com olhar duro e distante, desconfiado, vestido com andrajos e imundo - de picumã ou coisa pior - da cabeça com cabelos longos e encardidos até os pés descalços, com uma lança tosca na mão ou nas versões mais caricatas brandindo enorme e gordo tacape? Pois é. Durante a pesquisa, descobri que existe muitíssima informação, muitas camadas já descobertas sobre quem era e o que fazia, o que pensava esse humano de 40 mil anos. Claro que não podemos recriar suas ideias e intenções tal como fazemos uns com os outros hoje; não ha registros escritos desse período porque a escrita não existia ainda e a língua, que dentro da media entre as datas propostas entende-se que surgiu na forma atual entre 40 e 100 mil anos, ela também não possuía nem um décimo da complexidade, ou se preferirem, da riqueza semântica que possuímos hoje ao dizer um simples “Olá, como vai?”.




Caverna de Hohler Fels - Alemanha


      Veja bem a seriedade do que estou dizendo; a 40 mil anos o homem – especificamente na Europa, para este exemplo – ainda estava sofisticando a língua – sabe-se lá com que lentidão, afinal não temos como saber se a deriva de uma língua antiga era mais rápida ou o que é mais provável, mais lenta do que em línguas mais modernas como o latim, que em pouco mais de 1000 mil anos cresceu, disseminou-se literalmente por um quarto de mundo, depois foi tragado, engolido pelos povos colonizados que de falantes acabaram por ser os corruptores e lingófagos da língua romana. Em línguas antigas esse fenômeno pode ter levado dezenas de milhares de anos, mas só podemos conjecturar, pelo menos levando em conta aquilo que consegui ler, as informações que consegui juntar e por sentido, mas é bem plausível pensar que junto com a deriva humana pelo mundo, saindo da África a pelo menos 70 mil anos, qualquer forma, mesmo que incipiente de língua que essas pessoas possam ter falado, derivou, se transformou e se reformulou junto.


IMAGEM DO HOMEM PRÉ-HISTÓRICO


    A própria concepção social de família, de parentesco e de afetuosidade, o conceito de indivíduo que estas pessoas possuíam – parece até estranho chamar estas pessoas de pessoas, ou dizer que elas tinham conceito de alguma coisa - para o nosso senso comum, não existiam. Comparada com uma criança humana moderna, que é capaz de olhar para um tela de computador e jogar, conversar com varias outras crianças, por vezes em mais de uma língua, e tudo isso ao mesmo tempo e ouvindo música, qual era o tipo, a quantidade, a espécie de percepção, de ligação que esse nosso antiquíssimo irmão tinha com Real?  Podemos saber muito desse homem, que no fundo era parecido com a gente. Que coisa doida, parece que estamos a milhares de anos aprendendo a usar o cérebro, porque o corpo já está pronto a milhares e milhares...Par ser bem franco, podemos acessar muito desse nosso ancestral, muito mais pelo menos do que o grosso das pessoas pensa que pode, desses homem e mulher que aos nossos olhos podem parecer uma mistura de índio de bang bang com o Macgwayver, um ser humano igual a nós ao ponto de vestido como um homem de hoje passar tranquilamente desapercebido por entre a multidão ou ainda mais; se quando pequeno fosse roubado aos seus pais e criado como uma criança moderna também seu comportamento e cultura, e sua percepção do que fomos no passado, tudo seria condicionado ao meio em que crescesse e nada a diferenciaria de outras brincando no patio da escola durante o recreio.


O PODER DA ARQUEOLOGIA PARA NOS DEMONSTRAR VERDADES FENOMENOLÓGICAS DO PASSADO DA ESPÉCIE HUMANA

    O que sabemos afinal? Sabemos sobre sua dieta, sobre suas migrações, sobre seus rituais fúnebres e sua relação com o fogo e com o céu. A arqueologia já demonstrou por varias vezes que muito antes de aprendermos a escrever já observávamos e aprendíamos sobre o céu e sua fenomenologia, e pelo estudo das espécies e das suas transformações em nosso rastro migratório, a enormidade enciclopédica de artefatos recuperados do interior da terra nos permite reconstruir camadas muito sofisticadas da vida e do pensamento do homem de 40 mil anos. Por exemplo, a representação da mulher, do corpo feminino, tem uma constante morfológica que não pode passar desapercebida quando num período muito grande dentro do calendário migratório do homem mantem-se pouco alterada em um sitio arqueológico quase 5000 quilômetros longe um do outro. Transformações, por vezes meras adaptações ao novo tipo de rocha disponível para confecção de ferramentas servem de mapa das movimentações humanas, de sua adaptabilidade aos novos matérias que utiliza em sua construção tecnológica e também nos informam, mesmo que de modo indireto, muito mais do que apenas seus hábitos e caminhos percorridos. Analisando a natureza física de seus objetos, o tipo de manufatura envolvida e o tempo dispendido, podemos fazer conjecturas, podemos criar hipóteses plausíveis, algumas mesmo incrivelmente prováveis, sobre o que pensavam e o que queriam, sobre o que desejavam estes humanos tão distantes e no entanto, como veremos a seguir, tão próximos de nós em tantos aspectos.






Estatuas do período Paleolíticos. Elas são chamadas de Vênus









VAMOS FOCAR NO PERÍODO DAS FLAUTAS, SIM?

           No ano 40 mil AC, estamos no período paleolítico superior – os limites entre o paleolítico inferior e o superior estão mais claros do que os limites do paleolítico médio, ao menos na sua divisão com o superior, mas para o nosso caso opto por chamar de superior o período que quero abranger, entre os 40 e os 30 mil AC – e o homem europeu vive em cavernas porque a Europa desse momento histórico está congelada. Dentro dessas cavernas, protegidos das intempéries e do vandalismo, saímos de nossa nave do tempo e, analisando a estatuária que encontramos enterrada descobrimos que a representação da mulher, com tudo aquilo que chama a atenção do homem - os clichês mesmo – são representados grandes, num corpo deliberadamente obeso, as vezes um pouco apenas mas em outras completamente fora de proporção.

CUIDADO COM ESTA PARTE, E LEMBRE DE QUE SÃO apenas CONJECTURAS

     A idéia é que esses humanos, observando o nascimento de outros animais, e observando os de sua própria espécie, tinham a mulher como a força que gerava sua espécie, e numa analogia com o que acontece em uma colmeia, há quem chegue a cogitar numa organização social onde a mulher e não o homem era o gênero dominante.
     E muito impressionante, quase hipnótico o que podemos entender sobre nossa espécie e por consequência sobre nós mesmos, pensando sobre os objetos encontrados e as condições em que foram manufaturados. O tempo evolutivo que é preciso considerar para que o ser humano tenha conseguido sofisticar sua capacidade de precisão mecânica e o conhecimento sobre as ferramentas que utiliza – e o próprio tempo necessário para a evolução destas ferramentas, que deve ser basicamente o mesmo momento histórico da sofisticação dos artefatos encontrados (não podemos sofisticar a produção de um objeto sem antes sofisticar ou as ferramentas ou os meios de as utilizar), e não consigo imaginar que possuindo a capacidade de precisão, o ser humano não vai representar cada vez com mais clareza o mundo que o rodeia – o tempo necessário para este aprendizado todo é muito longo, mas em suas formas mais acabadas, mais próximas dos 40 mil, nos contam indiretamente que esse humano, que esse ser ainda diferente de nós em sua cultura mais fundamental, que não seria comparavel talvez nem com os mais atrasados de nosso mundo, esse humano que vivia dentro de uma caverna e ainda jogava os seus mortos junto com os restos de comida, esse mesmo humano desenhava nas paredes, com até meia duzia de cores diferentes – o ocre vermelho mais do que qualquer outra cor – as vezes com surpreendente capacidade de representar proporções e movimento! Acredita-se que usava além dos dedos e palmas das mãos, bastões de madeira com a ponta macerada, num simulacro de pincel de pano. Pintavam até cuspindo a tinta e usando a mão como negativo. Pensem nestas pessoas cuspindo a tinta – que de alguma maneira foi preparada antes deste momento, prescindindo por sua vez também toda uma história de conhecimento agregado – e se afastando um pouco da parede e conferindo, conforme o que tem na sua mente – não temos como saber se é uma paisagem lembrada, ou um recado ou algum código mistico – se o resultado, e frise bem esta palavra - o resultado de sua obra - estava de acordo com sua representação mental!
     Existe ainda, é claro, uma outra categoria de objetos arqueológicos que é encontrada pela primeira vez no Paleolítico superior; flautas. As encontramos confeccionadas em pedaços de marfim e em ossos de abutres, a mais antiga com 45 mil anos é confeccionada em osso de urso, e pela sua feitura podemos saber que ela é também resultado de uma evolução anterior. É incrivelmente improvavel que formas bem acabadas de tubos produtores de sons articuláveis em notas – tenham sido produzidas já nas primeiras tentativas, e mesmo estas varias tentativas devem ter acontecido, repetindo-se em longos vai-e-vem tecnológicos – influenciados pelo clima, pela região ou mudança desta.




Um humano - ou mais de um - fez esta flauta a 35 mil anos

    Por mais extraordinário que seja, eles já tinha tinham notas especificas, fenomenologicamente para o ouvido moderno um rascunho de escala, (conceituando aqui escala como uma seleção de graus de uma cromatismo dado que não sabemos se era em 12 ou menos partes, duvido  que em muito mais)




flauta de osso de urso - 41 mil anos

a arqueologia nos ensina que o ser humano, em varias partes do seu percurso evolutivo, tanto no tempo quanto no espaço, inventou e reinventou as mesmas soluções tecnológicas para seus problemas, e o curioso é que em muitas escavações vê-se, ao analisar material recuperado, que existe mais variação estilística entre os artefatos do que uma melhora constante na tecnologia empregada ou no resultado do objeto criado.             Com certeza meu amigo, a flauta de osso de abutre que chegou até nós não foi a primeira e nem a milésima construída. Aquilo para o que quero chamar a tua atenção é um aspecto específico, embutido mas desprezado numa leitura mais leviana, formal, descritiva; desde a 45 mil anos atrás, por ene razões, mas tenha como um fato, que a 45 mil anos atrás assim como pintava e olhava seu trabalho, o homem também gastava horas – dezenas delas – calmamente escavando buraquinhos em um osso de ave, cuidando para que os orifícios estejam do tamanho certo para o encaixe dos dedos, e evidentemente sabendo que o uso a ser feito deste instrumento é o de produzir sons articulados!
    Mais do que a já surpreendente percepção de que eles identificavam notas e certamente células rítmicas, o que quero dividir contigo é que esse ser fazia isso, interagia ativamente e não apenas como um ouvinte animal; assim como com a representação pictórica, e assim como a escultura, a estatuária, o homem Pré-Histórico também interagia com a dimensão sonora, que em termos de biologia, significa lidar com o som racionalmente, manipulando notas e ritmos - quaisquer que tenham sido eles – os organizando no tempo e na altura com a única ferramenta que temos para isso; nossa capacidade matemática