quarta-feira, 11 de abril de 2012

Ritmo (1)

      É estranho, mas falar sobre o ritmo é mais difícil do que ensinar as pessoas a pensa-lo. Falar sobre ritmo, tentado o descrever por suas propriedades  ou implicações  mínimas  é um desafio intelectual e matemático considerável, e é muito difícil encontrar alguém que ao descrever o que é ritmo não acabe, em vez de conceitos ou fórmulas nos solfejando uma figura qualquer ou citando algum estilo musical onde o exemplo que deu seja evidente. Como diz um amigo meu, é uma maneira sofisticada de não responder a questão. Mesmo agora, escrevendo, é difícil achar um norte, um caminho preciso para focar uma explicação. 

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Trabalhar com o que se tem (2)


             Dia 28 de março último, comecei um novo semestre do Curso de Teoria Musical. Os alunos desta nova turma têm um perfil algo diferente dos que cursaram outros semestres, e acho que isso aconteceu porque o curso está no 3º ano consecutivo e evidentemente o tempo é poderosa ferramenta de verificação de resultados e de divulgação destes – a afluência aumenta se o resultado e a divulgação forem positivos – e também porque abri uma turma num lugar mais perto do centro da cidade. Uma outra razão foi que desta vez fiz a divulgação sem ajuda de outros parceiros e deliberadamente enviei emails para instituições diretamente ligadas ao fazer musical, tanto de performance, como foi o caso da OSPA, quanto de educação, e nisto incluí uma serie de escolas, secretarias de educação e de cultura, além de ONG's ligadas de alguma maneira com a educação musical. Entre os alunos tenho cantores de coro – um público que até agora eu não havia conseguido atingir e que é de grande interesse para divulgar o Processo – uma das alunas canta a 27 anos em coral, e é o fim da picada que em quase 3 décadas esta pessoa em nenhum instante tenha caído na mão de um profissional que a ensinasse teoria, ou ao menos a ler música. Pessoas como esta aluna deveriam ganhar uma bolsa de estudo em função do tempo dedicado à música, sobretudo se pensarmos que certamente ela nunca ganhou um centavo para cantar em nenhum dos coros dos quais participou. Regentes de coro neste caso são os burros da vez, porque não se dão conta de que uma pessoa assim, focada e constante mesmo sem instrução formal, multiplicaria por cem o seu próprio resultado e o de outros cantores se fosse ensinada, se fosse instruída, mesmo que sumariamente.
                O regente de coro, grosso modo, pensa como um criador de gado, tratando o cantor como um boi que sempre pode ser substituído - desde que consiga cantar uma escala afinado e bater palmas dentro de uma pulsação, o resto fica de lado. Se eu estiver desatualizado, por favor me contem que terei o maior prazer em divulgar, não só aqui mas com todos os meus alunos e em todos os trabalhos que realizo, mas que eu saiba, só existe um coro em Porto Alegre onde o respectivo regente entende o cantor como um investimento técnico de médio e longo prazo, e não deve ser gratuito que o resultado deste grupo seja tão abissalmente superior a todo o resto da produção vocal da Capital. Fico pensando se o fato deste regente ter-se formado fora da cena de Poa também não ser também parte da questão...
                Tenho entre meus alunos também gente envolvida com o lecionar música, musicistas de 2 décadas de estrada atrás de si, e é explicito, é dado no convívio com essa gente que existe entre eles forte disposição a ajudar o outro, a dividir conhecimento com o outro; o Processo a cada dia que passa se torna mais e mais um modelo viral de disseminação de conhecimento, e já consigo vislumbrar, ao longe mas visível, o momento em que ele se mova, em que ele caminhe sem precisar de mim; o fato de minha divulgação atrair justamente este perfil de aluno/professor me enche de alegria e evidencia, para mim, a matriz viral do Processo. O conhecimento não é propriedade intelectual de ninguém, não é verdade? Infelizmente, em música, o normal é o modelo macaquinho. Com o perdão dos meus primos macacos, o que mais vejo na cena de Poa são professores que ensinam os seus alunos a imitar, a imitar e a imitar ao infinito; é evidente que  neste caso o professor é só um macaco mais velho e mais experimentado na ‘arte’ de imitar. O conhecimento em música que ofereço com o Processo é 100%  matemático –  e portanto verificável – e o que é mais legal, caro leitor, 100% livre.
                Quarta que vem, novamente alegria em meu coração, pontualmente as 13 horas. Forte abraço! 

Trabalhar com o que se tem em mãos (1)


     Semestre passado, depois de julho, na verdade, eu tinha um problema em mente; como testar algumas de minhas hipóteses pedagógicas sobre desenvolvimento de consciência rítmica por meio de padrões matemáticos com crianças em idade escolar? Em 2 semestres de testes com alunos do ensino médio e do ensino superior – gente dos 14 anos em diante – eu já tinha feito testes e o resultado foi o mais promissor possível, mas segundo a hipótese que eu havia formulado, era preciso que as ferramentas de ensino que desenvolvi funcionassem também com crianças menores de 12 anos. Para ser mais exato, dentro do que uma hipótese pode pretender em exatidão, os protocolos de ensino que desenvolvi tinham que funcionar, no mínimo, com qualquer criança alfabetizada e que não fosse muda. Como porém quanto mais longe dos centros de pesquisa mais importante é o título e menos o conteúdo, e não  tendo eu título algum fora o de eleitor, entrar na secretaria de um colégio qualquer e explicar o que pretendia não seria um opção válida, pensei eu, periga eu sair preso por exercício ilegal de alguma coisa já cartelizada, vá saber... Mas daí descobri um projeto do governo Federal chamado Mais Educação, onde as crianças vão em turno inverso para a escola e a cada dia da semana têm uma aula especializada. 2 matérias, Letramento e Matemática, são compulsórias mas nos outros 3 dias elas têm atividades como dança, horta e música. Bingo! Procurei então uma escola - na verdade fui chamado, mas isso é assunto para outro texto -  e o público alvo era exatamente o que eu queria e precisava; na década passada, a prefeitura pegou um pessoal que morava num lugar chamado Vila Tripa e os re-alocou numa área ao lado do bairro Ruben Berta e, creio eu, por causa disso instalou uma escola de ensino fundamental e médio neste novo bairro para que a criançada pudesse estudar e ser melhor incluída no mundo. Como moro em Cachoeirinha, uma cidade que fica grudada na Zona Norte de Poa, a distância em quilômetros não é muito grande e num mundo ideal onde não haja engarrafamento, levo uns 40 minutos entre minha casa e a escola. O trabalho é oficialmente voluntário mas o governo dá uma ajuda de custo de 300 pila para cobrir gastos com passagem e alimentação. Na verdade é um sub emprego no bom sentido da palavra, e como explicarei mais adiante, o pessoal que administra o país pra gente está marcando toca no modo de divulgar a atrair voluntários; o que estou fazendo é mais inteligente e mais simples.
     As crianças são o que tem de melhor; e quanto mais carentes, mais fácil de trabalhar com elas. Certo, sei que todo mundo pensa exatamente o oposto, e vejo muita gente falando e descrevendo o trabalho com o pessoal carente de renda como um grande ato social, como um um aprendizado de vida, mas na boa, o que estas crianças têm de mais incrível não é a capacidade de aprender, que é basicamente a mesma que encontrei lecionando numa das escolas mais caras de Poa no ano passado. Enquanto esponjinha para aprender criança é tudo igual em tudo quanto é lugar. O que estas crianças carentes têm de mais impressionante, ao menos para um professor como eu, é a franqueza. Muito cedo elas tomam contato com a violência. Volta e meia perco um aluno porque a família teve que se mudar; os pais começam a vender crack e ou começam a fumar mais do que vendem ou simplesmente gastam a parte do fornecedor, e como imagino que o leitor já saiba, no mundo do tráfico não existe SERASA e quem não paga morre, simples assim. O sexo é outra coisa absolutamente presente para eles, na matriz ruim, infelizmente, e as ligações que eles fazem entre o sexo e a agressão são bem evidentes. Eles não te mandam tomar no cu, eles dizem que vão comer o teu cú. Apesar de ser um defensor do palavrão, sou ainda mais um defensor do sentido das palavras, e uma das ferramentas que utilizo para sofisticar a relação deles com a língua portuguesa é desconstruir o significado ruim que o palavrão pode ter (desculpem, mas é isso o que penso, o palavrão é parte da língua, sim). 
    Por exemplo, no começo das aulas com eles, ainda no ano passado, o vocábulo “caralho” era mais usado que vírgula em discurso. Daí um dia parei uma aula – na verdade fui parado por uma discussão entre dois meninos que estavam oferecendo os seus um ao outro – e em vez de xingar todo mundo e discorrer um  rosário de ameaças e reprimendas, desenhei um grande barco a vela no quadro; funciona uma barbaridade fazer coisas na aula que eles não estão esperando, e o simples fato de interromper a briga dos guris e desenhar um grande barco a vela no quadro gera um silêncio imediato mesmo nos alunos mais bagunceiros, e sei que dentro da cabecinha deles tem um cérebro viciado em coisas novas, como no teu, que lendo isso não deve ter a menor idéia (mas quer ter) do porque interrompi a briga e desenhei um grande barco a vela no quadro, não é? Somos viciados em saber das coisas. Então faço o seguinte; conto pra eles que o caralho está profundamente ligado a descoberta do Brasil – na verdade é com a descoberta da América mas a historinha que conto não desmerece a História real – e quando digo isto eles já sentam e, pelo absurdo do que estão ouvindo da minha boca, aumentam mais ainda atenção em mim, e digo aumentam porque estarem ouvindo eu falar o mesmo palavrão que eles falam já é um troço que desconcerta um pouco, e ouvir o palavrão fora do contexto de agressão ou de ambiguidade sexual também tira um pouco o chão dos pequenos. No barco que desenhei faço o mastro principal bem grande e detalhado, e conto pra eles que o cara que primeiro vê a terra é o que está la em cima, naquele cestinho. A frase é conhecida “Terra à vista!”, mas o que eu conto pra elas é que o carinha este, que fica lá no cestinho, não estava la porque queria mas porque era um serviço meio que obrigatório; li em 2 relatos de viagem dos descobrimentos que era um castigo. Uma vez andei 17 horas dentro de um transatlântico e cara, ficar ainda por cima lá em cima do mastro balançando para frente e para trás e para os lados horas à fio não pode ser um troço legal de fazer. Depois de sair do barco e de estar já deitado na cama no alojamento para onde fui eu ainda sentia o balouço do mar, uma sensação muito maluca. Pois é, depois de contar estas coisas para eles eu conto que o nome do cestinho este, onde o buneco ficava de castigo ou de serviço era caralho, e é daí que vem a expressão “vá pra o caralho que te carregue” ou vá para o caralho que o fôda”. Nos Açores, na ilha de São Miguel, os habitantes chamam o que aqui chamamos de cesta – esta que usamos na páscoa para colocar ovos de chocolate – de canastra ou ainda de canalha, o que mostra que a raiz  etimológica para caralho/canastra/canalha é a mesma. Não sei se é mas acho que o que aqui chamamos taquara os portugueses chamam de cana, daí a palha da planta trançada usada para fazer cestos ser chamada de canalha, canastra ou caralho. A ligação com o pênis eu fico devendo mas pode ter a ver com o mastro que suportava o cesto, este. Depois de explicar isso pra eles deixo claro o quanto é imbecil o uso que eles fazem do vocábulo, e então acontece um fenômeno curioso; ao pensar o significado da palavra, ela parece ficar estragada para uso como palavrão, e invariavelmente eles não a utilizam mais. Mato vários coelhos com uma só história; falo da história da descoberta do novo mundo, falo das transformações que a palavra sofre com o passar do tempo e desconstruo um modelo ruim de uso da palavra, e além disso, da próxima vez em que eu começo a fazer alguma coisa incompreensível para eles, o foco de atenção dos pequenos se dá cada vez mais rápido; o que será que este professor doido vai nos contar desta vez?
           Mas mudei de assunto! o que eu quero contar destas crianças é que felizmente as minha hipóteses pedagógicas funcionam muito – não estas que citei, que nem considero pedagogia mas só levar as crianças a serio mesmo – me refiro aqui aos meus postulados sobre instrução rítmica. Durante o segundo semestre do ano passado fiz estas crianças aprender a marcar subdivisões e partindo da soma destas organizar padrões de acento e de tamanho rítmico, sempre pensando em modelos matemáticos, e salvo num momento em que os ensinei a ler o ritmo usando as figuras normais que utilizamos em música, todo o trabalho de conscientização rítmica foi feito usando apenas a capacidade de memória rítmica que cada criança tinha. Descobri por exemplo que posso ensinar frações usando o estudo do ritmo, e que posso ensinar conjuntos – pertinência, união e intersecção, inclusive – também usando as ferramentas que a capacidade rítmica dos alunos. Claro que do ponto de vista deles, e das professoras que me abalizavam o trabalho, e do ponto de vista de todo mundo, pra ser bem franco, eu estava apenas disciplinando o pensamento rítmico dos alunos e os ensinando a cantar e tocar instrumentos. Realmente, ensinar música partindo do estudo de padrões de acento e subdivisão é um milhão de vezes mais rápido e efetivo do que o modelo macaquinho que normalmente vejo nas propostas de instrução musical para crianças, mas pessoalmente já tenho evidências suficientes para acreditar que descobri novos modelos para o aprendizado de música e é uma questão de tempo para que isso cresça e saia da minha mão – tenho alunos tanto da Federal quanto do IPA estudando comigo e na medida em que estas pessoas se graduarem e passarem por sua vez a lecionar, o Processo estará cada vez mais presente no ensino de música aqui no RS, e provavelmente nem será mais chamado de Processo Nardes, mas, e é o que mais quero, será apenas um modo sério, claro e simples de estudar produzir o fazer musical. O que estou pesquisando agora é o quanto a música, vista aqui como uma versão sonora de uma folha para cálculo matemático, pode ser um poderosíssimo instrumento de instrução matemática; está tudo pronto, qualquer aluno que seja capaz de falar é capaz de aprendizado rítmico e em sua mais esmagadora maioria – eu nunca encontrei nem um único contra exemplo, mas por rigor científico não descarto que possa haver – todos os seres humanos já nascem com o software do ritmo incluído. Estou estudando a respeito, mas minha hipótese é a de que o ritmo está profundamente ligado ao processo de aprendizado da fala. Crianças de 1 ano já se balançam ao ouvir um padrão rítmico qualquer, e do balbuciar até as primeiras palavras o processo é de uma crescente sofisticação da articulação rítmica, para não citar toda uma outra parte onde o ritmo pode ser um subproduto de um outro kit que rapidamente se monta em nosso cérebro; o do equilíbrio... os virtuoses da música e os lutadores de Kung Fu sabem do que estou falando. 

domingo, 25 de março de 2012

Mais alguns escritos que fiz quando estava estudando para a palestra


             Quando ouvimos uma peça musical ela desencadeia uma rede de atividades neurais em nosso cérebro, e qualquer busca no Google faz referência, quase já como um clichê,  ao fato científico de que toda a nossa massa cinzenta fica ativa; nosso cérebro ouve música e fica piscando naquelas cores vivíssimas das tomografias computadorizadas, ilhas vermelhas e ilhas amarelas banhadas por um mar de azul que as atravessa em ondas. A música, ou o som, mais exatamente – nem todo o som é música, como veremos adiante – realmente é um fenômeno percebido,  diretamente, apenas por um único sentido, o da audição, mas que exatamente como todos os outros sentidos que possuímos, é processado por nosso cérebro em todas as dimensões possíveis de se imaginar – o imaginar aqui entendido de maneira incrivelmente literal.


LEMBRANÇAS LIGADAS a MUSICA

              Muitas das canções que até hoje escuto, algumas pelo menos uma vez por semana, estão diretamente ligadas a experiências do meu passado, e por uma ou outra razão – desde lembrar da música ao ouvir uma outra parecida, ou ouvi-la quando pensava em algo específico ou até a letra, que tem alguma significação ou remetência a algo que me aconteceu – simplesmente não consigo esquecer, desconsiderar isso enquanto as escuto. Sei exatamente quais os acordes, sei os solos, em algumas delas eu poderia regravar sozinho todas as partes, de todos os instrumentos, de tantas vezes que já as ouvi e já as toquei. Existem canções das quais tenho todas as partes decoradas, as vezes até gravo-me tocando tudo para ver como fica.  Detenho uma relação epistemológica, matemática, tecnica quanto a natureza mecânica dos instrumentos envolvidos e  também possuo a destreza mecânica e ritmica para a execução destes instrumentos, mas ainda assim - ou apesar disso -  a peça continua a me lembrar do café com leite morno, bem doce que meu pai bebia nos sábados de manhã junto comigo. Essa lembrança que tem mais de 30 anos já, desencadeia em mim uma sensação de nostalgia enorme e sinto uma vontade louca de reviver aquele momento, de voltar mais uma vez até àquele instante e viver novamente a sensação que agora apenas lembro haver sentido.

É AQUI QUE A PARTE DA MANIPULAÇÃO DAS PESSOAS PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO UTILIZANDO A MÍDIA PODE SER TRATADA, SE JÁ NÃO O TIVER SIDO

              Certo, já entendemos que nosso cérebro liga, associa a música com outros eventos, com outras ações no mundo, ou ainda com outro pensamento que se revese com a música na lupa de nossa consciência. Mas isso explica que ligamos a música a uma outra ação de nosso intelecto ou emoção mas não explica como é que nosso cérebro distingue entre o que é e o que não é considerado música.

AQUI JÁ EXPLIQUEI COMO É QUE O CÉREBRO LIGA SONS, MÚSICAS, CANÇÕES, A EVENTOS, E SENSAÇÕES, COMO SE FOSSE, LITERALMENTE, A TRILHA SONORA DE NOSSA INTERAÇÃO COM O REAL.  PODE-SE CITAR COMO, por EXEMPLO, O FATO DE QUE DESDE O COMEÇO DO CINEMA – COMO UMA REPRESENTAÇÃO DO REAL, A DIMENSÃO SONORA ESTEVE PRESENTE. TODOS OS CINEMAS TINHAM PIANISTAS, EM ALGUNS LUGARES 2 OU 3, QUE ACOMPANHAVAM AS CENAS E FAZIAM UMA TRILHA INCIDENTAL DURANTE TODAS AS CENAS.

LITERALMENTE, NOSSA PERCEPÇÃO DO REAL ENQUANTO COISA QUE SE VÊ, É REFORÇADA E CLARIFICADA, OU PELO MENOS DEFINIDA, QUANDO AGREGAMOS A ELA O SOM.  ESSA  PERCEPÇÃO É TÃO TENDENCIOSA NO SENTIDO DE PRIORIZARMOS O SONORO E NÃO O VISUAL – ME REFIRO AQUI A REPRESENTAÇÃO DO REAL PARA QUEM É PLATEIA, QUE PODEMOS DIZER QUE MUSICA SEM IMAGEM É MAIS DO QUE IMAGENS SEM SOM QUE ATÉ HOJE ESCUTAMOS MÚSICA SEM A IMAGEM – PODERÍAMOS CONCEBER UM MUNDO PERFEITAMENTE POSSÍVEL, CULTURALMENTE, ONDE NÃO SE ACEITASSE MAIS OUVIR MUSICA SEM A IMAGEM DE SEUS EXECUTANTES

 – MAS O CINEMA MUDO, A IMAGEM SEM SOM, CAIU EM DESUSO NO PRIMEIRO INSTANTE EM QUE FOI POSSÍVEL FILMAR COM SOM. Chaplin FOI UM DOS ÚLTIMOS DIRETORES A ADOTAR O SOM, E QUANDO O FEZ, PRATICAMENTE FORÇADO, CRIOU UMA ESQUETE NO FILME ONDE INTERPRETAVA UM MILIONARIO RUSSO, QUE TENTA CONQUISTAR UMA garota DA PRESENTES, PEDE BEIJOS E OUTRAS INTIMIDADES, AS QUAIS A GAROTA ENTENDE E USA A SEU FAVOR,  chaplin  faz isso cantando, USANDO SUA PRÓPRIA VOZ E COM SOTAQUE RUSSO, MAS SEM DIZER NEM UMA ÚNICA PALAVRA! A LINHA MELÓDICA DA MÚSICA, OS CROMATISMOS E A FORMA AB, TUDO É MUITO INTELIGENTE E BEM ACABADO, O TAPA DE LUVA AOS DEFENSORES DO CINEMA FALADO -  Chaplin entendia que APENAS O CINEMA MUDO ERA REALMENTER ARTÍSTICO – FOI O DE  MESMO COM A MÚSICA E O SOM E A VOZ, ELE CONSEGUIr FAZER A MESMA ESTÉTICA DO MUDO, INDEPENDENTE DE TODO O RESTO.  E QUANDO EU DISSE QUE ELE FEZ SOTAQUE DE RUSSO, ISSO É CORRETO MAS ENTENDENDO QUE FOI APENAS UMA ONOMATOPEIA RUSSA COM OS SONS DA LÍNGUA RUSSA MAS SEM SIGNIFICAÇÃO ALGUMA, AFORA A  eNTONAÇÃO.               

 – a música esta, que eu ouvi junto com meu pai talvez uma única vez, provinha de um rádio mono que ficava em cima da geladeira. Essa geladeira, bem como a tampa do forno que minha mãe usava seguido para fazer pão, e a porta da rua que tinha uma fechadura antiga com aquelas chaves grossas como chave de castelo, todos estes objetos faziam barulho, produziam som e eu os ouvia com muito mais frequência do que a canção esta. Porque não lembro de nenhum deles, então? Como é que o meu cérebro infantil conseguia distinguir o que devia ou não entrar nas minhas lembranças, ou colocando de um modo mais dramático, como é que eu defini tão perfeitamente, e sem o saber – pelo visto - o que qualquer ouvido adulto e treinado reconheceria ser música?
                                     
Os sentidos humanos, mais específico

              Não sei se o paladar consegue nos transmitir padrões matemáticos, mas garanto que nunca os senti na boca (um riso), assim como também nunca senti o cheiro do 3 ou do 5; por estarem ligados a algo que nos é muito caro - os hormônios e as comidas – em nossa prehistória seu uso era centenas de vezes mais importante e mais determinante pra nossa sobrevivência – olfato e paladar são sentidos – canais de entrada do mundo para nosso cérebro – muito populares, muito discutidos entre as pessoas. Pare pra pensar no quanto da tua relação com o mundo é olfativa; eu lembro do cheiro de podre de um pedaço de madeira, um pequeno tronco, que ficava nos fundos de uma casa onde eu morava quando tinha 3 anos, e de todas as casas onde morei lembro o cheiro. Não vejo imagens se movendo em minhas lembranças, é tudo como fotos, geralmente escuras e com pouca ou nenhuma cor- um tipo de preto com marron no mais das vezes – mas lembro do cheiro de muitos dos objetos e pessoas que vejo. Uma vez, em um ensaio de coro falei da minha relação com o olfato e os cantores me desafiaram a adivinhar quem eram as pessoas apenas pelo seus cheiros; olhando-as, cheirei 5 pessoas, algo como uns 3 segundos cada, porque muito tempo do mesmo cheiro satura e borra, e depois fui vendado e cheirei elas, em ordem aleatória, novamente. Acertei todos, de primeira, e acho que se forem pessoas conhecidas de longa data, eu consigo fazer com o dobro ou o triplo de pessoas, é algo ainda a experimentar.
              O tato é outro sentido subestimado. O ser humano consegue ler – cito isto porque ler, com qualquer sentido possível já é por sí só um feito incrível -  qualquer texto com as mãos sem precisar ver e sem precisarouvir nada. Veja o poder deste sentido; tenho uma sobrinha que não vê e que está começando a estudar piano.tu sabia que existem partituras para cegos que são lidas com as mãos; o musicista lê com uma e toca a outra, por fim decorando as duas e as executando juntas. Podemos ainda viajar mais no tato e pensar que se uma doença misteriosa afetasse a espécie humana e perdêssemos a capacidade da fala e da visão simultaneamente, ainda assim toda a nossa cultura escrita, se preservada em Braile, continuaria a disposição de quem desejasse se instruir.
              Mas convenhamos que o sentido matemático por principio é o da visão. Com ele podemos apreciar diretamente varias categorias matemáticas literalmente a olho nú, e estudando suas regras e aplicações de metragem e proporção, a visão ferramentada pela matemática possibilitou ao homem, desde as priscas eras reproduzir o real e perpetuar essa representação para o futuro – aqui é ainda é de um sentido mais poderoso, o mais de todos no meu entendimento. Se fôssemos iguais em tudo mas sem a visão, apenas isso já faria de nossa espécie algo tão diferente do que somos e do que imaginamos ser que não me parecer possível conjecturar nem a mais geral propriedade que teríamos, como agentes do mundo, como seres que raciocinam, que pensam abstratamente. Como construir uma  dimensão abstrata se não temos o que abstrair, ora? Como seria o sitema filosófico, ético de uma sociedade cega e muda? Como seria, eu me pergunto, o seu humor, suas piadas? Certamente o alfato e o paladar estariam muito mais presentes, além do tato. Haveria gente lendo com os cotovelos, com a língua, com a orelha e com outras partes que não quero nem pensar. Nos cumprimentaríamos com cheiradas e lambidas e os cães teriam com as pessoas uma relação bem mais íntima do que temos hoje.
              Pois é. Olfato, paladar, tato e visão; 4 de 5 sentidos, não é? pois repassando o texto que acabei de escrever, vi que os sentidos têm todos, as vezes juntos e as vezes separados, a função de nos informar o que acontece do lado de fora da gente, e ao mesmo tempo em que perceber isso me enche de emoção e orgulho me dou conta de que  na verdade isto é um troço até meio óbvio, sabe? É legal, é impressionante mesmo, mas se pensarmos bem, tinha que ser assim. Se estes sentidos não fossem todos eles as maravilhas de coleta de informações sensorial, a nossa relação toda com o mundo, nossa interação toda com o mundo não existiria, e não seríamos mais gente, mas uma outra coisa que não sei o que é.

Focar no ouvido

              Agora que já expus minha opinião sobre a importancia dos sentidos para a nossa construção do Real, vamos nos ocupar daquele sentido que é o sentido de nossa palestra. De um modo diferente mas mesmo assim muito presente, muito constante, a audição é um sentido mal compreendido, caro leitor. Para começar, estão sempre comparando nossa capacidade de ouvir com a de outros animais que ouvem frequencias mais agudas, ou outros que ouvem frequencias mais graves, e que podem ser ouvidos a 50 quilômetros de distância – há evidências de que as baleias se escutam a distâncias de mais de 10 mil quilômetros  – e essa semana recebi um video mostrando 15 minutos de um cão tocando piano com as patas, junto do argumento de que o animal possuia ouvido absoluto. Mas é raro ver, ouvir ou mesmo ler sobre o que nosso ouvido tem de incrível em precisão, o que nosso ouvido tem de único, e o grosso das pessoas não acredita que seus ouvidos sejam capazes de mais do que aquilo que todo o ouvido tem que fazer; ouvir um carro se aproximando, passos no corredor, o bipe do microondas ou o telefone tocando. Realmente, o nosso ouvido foi desenvolvido para funções muito mais simples do que as que com a civilização acabamos por desenvolver, nosso ouvido adaptado para o universo sonoro da floresta e da savana, para diferenciar pelo peso do som se o animal que se aproxima a noite é nocivo ou não, capaz de reconhecer uma voz específica em meio a mais de 2 dúzias de outras gritando ao mesmo tempo, e portanto de identificar corretamente a proporção matemática interna de frequências sobrepostas, muitas vezes 5 delas ao mesmo tempo! Nosso ouvido nos permite ainda uma outra coisa maravilhosa; ele nos serve de canal de entrada para conhecimento matemático, quase tanto quanto a visão! Vou explicar melhor com alguns exemplos práticos.
              Agora que já demonstrei que podemos usar a música para organizar padrões ritmicos, acho que posso pedir que este sentido seja promovido a um patamar mais alto em nosso roll de atenção e conejcturas. Normalmente nosso ouvido é elogiado por sua capacidade para a música, não é? Mas tu já reparou que depois disso ou vira uma descrição sem fim de algum misterioso atributo emocional, algum dom, algo do divino, do sobrenatural, do sublime; quando há uma tentativa de ligar algum compositor, alguém tira um Bach do bolso ou saca um Mozart e quando vemos já estamos tendo uma daquelas conversas de louco ‘pois é, gênio é gênio – essa música é maravilhosa, isso é que é música’ ou então volta aquela conversa fiada de que só alguns poucos privilegiados tem o dom do ouvido e bla bla e bla. Poucas são as pessoas que param para pensar no porque gostamos tanto de ouvir alguns sons, algumas combinações de som e silêncio, determinado timbre ou região de um registro, ou colocando de outro jeito, poucas são as pessoas que se perguntam por que gostamos tanto de música.
      
matemática

               Uma vez, na praia vi um homem brincando com seu cachorro; o homem jogava uma bola de jogar taco, de borracha, para o alto, sempre de modo a cair dentro da água, no razinho. O cão acompanhava com os olhos enquanto corre corrigindo o ângulo de sua corrida pelo movimento eliptico da bola no ar. Muita gente ignora, mas o cérebro deste cão faz cálculos matemáticos bem complicados de explicar – eu não consigo nem saber quais são, mas é fato que o cérebro, tanto do cão quanto o nosso – calcula probabilidades, distâncias, estatísticas, soma, divide e subtrai, tudo isso mesmo que nunca venhamos a frequentar a escola. Quando vamos ao colégio, a função dos professores de matemática é a de nos ensinar a nomenclatura das ferramentas que 5000 anos de história do pensamento matemático deram a espécie humana e nos ensinar a transformar em notação matemática – e com isso obter um grau infinitas vezes mais preciso - aquilo que percebemos e pensamos sobre o real.
              Muitos de nós não conseguem desenvolver isso e acabam, infelizmente para a espécie, ficando de fora de todo o universo de intelectualidade que uma consciência matemática desenvolvida e instruída pode nos oferecer.  Um exemplo bem ilustrativo do quanto o raciocínio matemático está presente na mente de todos nós é nossa capacidade de reconhecer padrões; código morse, para ficarmos num exemplo diretamente ligado ao nosso tema.  Reconhecemos o tamanho de cada som no tempo, sua duração, e organizamos grupos aleatorios desses sons em letras e depois sílabas, depois palavras, frases e parágrafos inteiros. Ouvi falar mas não sei se é uma fonte confiavel, mas ouvi falar que os telegrafistas escreviam e liam na mesma velocidade em que uma pessoa escrevendo em letra cursiva. De qualquer maneira fica demonstrado que organizar padrões simples que se organizam em varias camadas de complexidade sempre crescente de padrões é um dos princípios que organiza o proprio raciocínio matemático. Pensando bem, quando olhamos para um quadro que nos emociona, ou uma paisagem real que se abre a nossa frente depois de uma curva, de uma esquina, também estamos identificando, calculando padrões de distância entre os objetos que vemos e outras dezenas, centenas de milhares de calculos por segundo, como o cão que vi corrigindo o seu movimento conforme o ângulo da boa jogada pelo seu dono, para padrões de cor, de iluminação e, que é o que mais nos interessa aqui, padrões de som.

sábado, 24 de março de 2012

Tudo o que todo mundo tem que saber sobre Música – no mínimo, tá? OU COMO TE CONVENCER DE QUE TEU CÉREBRO É REALMENTE CAPACITADO PARA A MÚSICA


              

Vamos voltar no tempo. Estamos agora a 40 mil anos atrás. Que tipo de ser humano vive nesse período da nossa Pré-História? Tu já notaste que nas imagens que vemos na mídia sobre o homem Pré-Histórico, é comum a representação de um ser com olhar duro e distante, desconfiado, vestido com andrajos e imundo - de picumã ou coisa pior - da cabeça com cabelos longos e encardidos até os pés descalços, com uma lança tosca na mão ou nas versões mais caricatas brandindo enorme e gordo tacape? Pois é. Durante a pesquisa, descobri que existe muitíssima informação, muitas camadas já descobertas sobre quem era e o que fazia, o que pensava esse humano de 40 mil anos. Claro que não podemos recriar suas ideias e intenções tal como fazemos uns com os outros hoje; não ha registros escritos desse período porque a escrita não existia ainda e a língua, que dentro da media entre as datas propostas entende-se que surgiu na forma atual entre 40 e 100 mil anos, ela também não possuía nem um décimo da complexidade, ou se preferirem, da riqueza semântica que possuímos hoje ao dizer um simples “Olá, como vai?”.




Caverna de Hohler Fels - Alemanha


      Veja bem a seriedade do que estou dizendo; a 40 mil anos o homem – especificamente na Europa, para este exemplo – ainda estava sofisticando a língua – sabe-se lá com que lentidão, afinal não temos como saber se a deriva de uma língua antiga era mais rápida ou o que é mais provável, mais lenta do que em línguas mais modernas como o latim, que em pouco mais de 1000 mil anos cresceu, disseminou-se literalmente por um quarto de mundo, depois foi tragado, engolido pelos povos colonizados que de falantes acabaram por ser os corruptores e lingófagos da língua romana. Em línguas antigas esse fenômeno pode ter levado dezenas de milhares de anos, mas só podemos conjecturar, pelo menos levando em conta aquilo que consegui ler, as informações que consegui juntar e por sentido, mas é bem plausível pensar que junto com a deriva humana pelo mundo, saindo da África a pelo menos 70 mil anos, qualquer forma, mesmo que incipiente de língua que essas pessoas possam ter falado, derivou, se transformou e se reformulou junto.


IMAGEM DO HOMEM PRÉ-HISTÓRICO


    A própria concepção social de família, de parentesco e de afetuosidade, o conceito de indivíduo que estas pessoas possuíam – parece até estranho chamar estas pessoas de pessoas, ou dizer que elas tinham conceito de alguma coisa - para o nosso senso comum, não existiam. Comparada com uma criança humana moderna, que é capaz de olhar para um tela de computador e jogar, conversar com varias outras crianças, por vezes em mais de uma língua, e tudo isso ao mesmo tempo e ouvindo música, qual era o tipo, a quantidade, a espécie de percepção, de ligação que esse nosso antiquíssimo irmão tinha com Real?  Podemos saber muito desse homem, que no fundo era parecido com a gente. Que coisa doida, parece que estamos a milhares de anos aprendendo a usar o cérebro, porque o corpo já está pronto a milhares e milhares...Par ser bem franco, podemos acessar muito desse nosso ancestral, muito mais pelo menos do que o grosso das pessoas pensa que pode, desses homem e mulher que aos nossos olhos podem parecer uma mistura de índio de bang bang com o Macgwayver, um ser humano igual a nós ao ponto de vestido como um homem de hoje passar tranquilamente desapercebido por entre a multidão ou ainda mais; se quando pequeno fosse roubado aos seus pais e criado como uma criança moderna também seu comportamento e cultura, e sua percepção do que fomos no passado, tudo seria condicionado ao meio em que crescesse e nada a diferenciaria de outras brincando no patio da escola durante o recreio.


O PODER DA ARQUEOLOGIA PARA NOS DEMONSTRAR VERDADES FENOMENOLÓGICAS DO PASSADO DA ESPÉCIE HUMANA

    O que sabemos afinal? Sabemos sobre sua dieta, sobre suas migrações, sobre seus rituais fúnebres e sua relação com o fogo e com o céu. A arqueologia já demonstrou por varias vezes que muito antes de aprendermos a escrever já observávamos e aprendíamos sobre o céu e sua fenomenologia, e pelo estudo das espécies e das suas transformações em nosso rastro migratório, a enormidade enciclopédica de artefatos recuperados do interior da terra nos permite reconstruir camadas muito sofisticadas da vida e do pensamento do homem de 40 mil anos. Por exemplo, a representação da mulher, do corpo feminino, tem uma constante morfológica que não pode passar desapercebida quando num período muito grande dentro do calendário migratório do homem mantem-se pouco alterada em um sitio arqueológico quase 5000 quilômetros longe um do outro. Transformações, por vezes meras adaptações ao novo tipo de rocha disponível para confecção de ferramentas servem de mapa das movimentações humanas, de sua adaptabilidade aos novos matérias que utiliza em sua construção tecnológica e também nos informam, mesmo que de modo indireto, muito mais do que apenas seus hábitos e caminhos percorridos. Analisando a natureza física de seus objetos, o tipo de manufatura envolvida e o tempo dispendido, podemos fazer conjecturas, podemos criar hipóteses plausíveis, algumas mesmo incrivelmente prováveis, sobre o que pensavam e o que queriam, sobre o que desejavam estes humanos tão distantes e no entanto, como veremos a seguir, tão próximos de nós em tantos aspectos.






Estatuas do período Paleolíticos. Elas são chamadas de Vênus









VAMOS FOCAR NO PERÍODO DAS FLAUTAS, SIM?

           No ano 40 mil AC, estamos no período paleolítico superior – os limites entre o paleolítico inferior e o superior estão mais claros do que os limites do paleolítico médio, ao menos na sua divisão com o superior, mas para o nosso caso opto por chamar de superior o período que quero abranger, entre os 40 e os 30 mil AC – e o homem europeu vive em cavernas porque a Europa desse momento histórico está congelada. Dentro dessas cavernas, protegidos das intempéries e do vandalismo, saímos de nossa nave do tempo e, analisando a estatuária que encontramos enterrada descobrimos que a representação da mulher, com tudo aquilo que chama a atenção do homem - os clichês mesmo – são representados grandes, num corpo deliberadamente obeso, as vezes um pouco apenas mas em outras completamente fora de proporção.

CUIDADO COM ESTA PARTE, E LEMBRE DE QUE SÃO apenas CONJECTURAS

     A idéia é que esses humanos, observando o nascimento de outros animais, e observando os de sua própria espécie, tinham a mulher como a força que gerava sua espécie, e numa analogia com o que acontece em uma colmeia, há quem chegue a cogitar numa organização social onde a mulher e não o homem era o gênero dominante.
     E muito impressionante, quase hipnótico o que podemos entender sobre nossa espécie e por consequência sobre nós mesmos, pensando sobre os objetos encontrados e as condições em que foram manufaturados. O tempo evolutivo que é preciso considerar para que o ser humano tenha conseguido sofisticar sua capacidade de precisão mecânica e o conhecimento sobre as ferramentas que utiliza – e o próprio tempo necessário para a evolução destas ferramentas, que deve ser basicamente o mesmo momento histórico da sofisticação dos artefatos encontrados (não podemos sofisticar a produção de um objeto sem antes sofisticar ou as ferramentas ou os meios de as utilizar), e não consigo imaginar que possuindo a capacidade de precisão, o ser humano não vai representar cada vez com mais clareza o mundo que o rodeia – o tempo necessário para este aprendizado todo é muito longo, mas em suas formas mais acabadas, mais próximas dos 40 mil, nos contam indiretamente que esse humano, que esse ser ainda diferente de nós em sua cultura mais fundamental, que não seria comparavel talvez nem com os mais atrasados de nosso mundo, esse humano que vivia dentro de uma caverna e ainda jogava os seus mortos junto com os restos de comida, esse mesmo humano desenhava nas paredes, com até meia duzia de cores diferentes – o ocre vermelho mais do que qualquer outra cor – as vezes com surpreendente capacidade de representar proporções e movimento! Acredita-se que usava além dos dedos e palmas das mãos, bastões de madeira com a ponta macerada, num simulacro de pincel de pano. Pintavam até cuspindo a tinta e usando a mão como negativo. Pensem nestas pessoas cuspindo a tinta – que de alguma maneira foi preparada antes deste momento, prescindindo por sua vez também toda uma história de conhecimento agregado – e se afastando um pouco da parede e conferindo, conforme o que tem na sua mente – não temos como saber se é uma paisagem lembrada, ou um recado ou algum código mistico – se o resultado, e frise bem esta palavra - o resultado de sua obra - estava de acordo com sua representação mental!
     Existe ainda, é claro, uma outra categoria de objetos arqueológicos que é encontrada pela primeira vez no Paleolítico superior; flautas. As encontramos confeccionadas em pedaços de marfim e em ossos de abutres, a mais antiga com 45 mil anos é confeccionada em osso de urso, e pela sua feitura podemos saber que ela é também resultado de uma evolução anterior. É incrivelmente improvavel que formas bem acabadas de tubos produtores de sons articuláveis em notas – tenham sido produzidas já nas primeiras tentativas, e mesmo estas varias tentativas devem ter acontecido, repetindo-se em longos vai-e-vem tecnológicos – influenciados pelo clima, pela região ou mudança desta.




Um humano - ou mais de um - fez esta flauta a 35 mil anos

    Por mais extraordinário que seja, eles já tinha tinham notas especificas, fenomenologicamente para o ouvido moderno um rascunho de escala, (conceituando aqui escala como uma seleção de graus de uma cromatismo dado que não sabemos se era em 12 ou menos partes, duvido  que em muito mais)




flauta de osso de urso - 41 mil anos

a arqueologia nos ensina que o ser humano, em varias partes do seu percurso evolutivo, tanto no tempo quanto no espaço, inventou e reinventou as mesmas soluções tecnológicas para seus problemas, e o curioso é que em muitas escavações vê-se, ao analisar material recuperado, que existe mais variação estilística entre os artefatos do que uma melhora constante na tecnologia empregada ou no resultado do objeto criado.             Com certeza meu amigo, a flauta de osso de abutre que chegou até nós não foi a primeira e nem a milésima construída. Aquilo para o que quero chamar a tua atenção é um aspecto específico, embutido mas desprezado numa leitura mais leviana, formal, descritiva; desde a 45 mil anos atrás, por ene razões, mas tenha como um fato, que a 45 mil anos atrás assim como pintava e olhava seu trabalho, o homem também gastava horas – dezenas delas – calmamente escavando buraquinhos em um osso de ave, cuidando para que os orifícios estejam do tamanho certo para o encaixe dos dedos, e evidentemente sabendo que o uso a ser feito deste instrumento é o de produzir sons articulados!
    Mais do que a já surpreendente percepção de que eles identificavam notas e certamente células rítmicas, o que quero dividir contigo é que esse ser fazia isso, interagia ativamente e não apenas como um ouvinte animal; assim como com a representação pictórica, e assim como a escultura, a estatuária, o homem Pré-Histórico também interagia com a dimensão sonora, que em termos de biologia, significa lidar com o som racionalmente, manipulando notas e ritmos - quaisquer que tenham sido eles – os organizando no tempo e na altura com a única ferramenta que temos para isso; nossa capacidade matemática

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Divido aqui alguns conceitos que utilizo nos cursos de Teoria Musical do Processo Nardes. 


Frequência sonora

Agora que tu já sabes que o som se propaga no ar por meio da vibração das moléculas, vibração essa causada por uma interação mecânica, vamos nos deter um pouco mais nessa vibração e pensar a respeito. Como é que se mede uma vibração? Um cientista chamado Hertz resolveu o problema pra gente; conforme a quantidade de vezes que uma vibração ocorrer por segundo as classificamos em graves ou agudas, e conforme a altura dessa vibração – altura assim de fulano é mais baixo que ciclano – maior é o seu volume. Quanto mais vibração por segundo, mais agudo, e quanto menos vibração por segundo, mais grave.
Explicar essas coisas no papel é sempre difícil, então vou usar algumas analogias que, espero, ajudem a compreensão. Nas aulas de teoria para crianças costumo mostrar a voz da vaca como exemplo de som grave e a voz do passarinho como exemplo de voz aguda, mas isso não explica o que é o grave e o que é o agudo, e fazendo isso estou apenas dando exemplos e não conceituando o que são essas palavras e que significados elas contêm. Imagine aquele som de apito de navio, sabes, ou a voz do Tropeço, aquele mordomo da Família Adams, ou tente produzir com a sua voz o som mais grave que conseguires. Quanto mais grave o som, mais tu vais conseguir identificar, ouvir mesmo, as freqüências “batendo”. Pense num motor de caminhão, em marcha lenta, em ponto morto; a vibração é lenta e dá pra imitar com a boca. Quando o caminhão anda, o que acontece quando o motorista acelera? A rotação aumenta e a vibração fica mais rápida, por isso que temos aquele som tão característico do barulho do motor trocando de marcha e acelerando; é a velocidade das freqüências que está aumentando, de modo que parece que se continuarmos acelerando e não trocarmos de marcha - o que faz a rotação do motor diminuir novamente – o som vai ficar tão agudo que o motor vai explodir. Por outro lado, quanto mais grave, menos vibração por segundo, até que chega num ponto em que conseguimos quase que contar as vibrações no tempo.

 Sonoramente, uma vibração tão lenta nos dá uma sensação de rugosidade, de irregularidade de relevo, de esfarelamento.

 Agora pensemos num violino tocando uma nota muito aguda, ou num passarinho cantando, ou mesmo numa destas pessoas que assoviam muito agudo. A vibração destes sons é tão rápida que não conseguimos contá-la. Na verdade não conseguimos sequer percebe-la, de tão rápida que ela é. A segunda corda do violino vibra 440 vezes por segundo,

e  por ser tão rápida essa vibração, temos a impressão de que os sons agudos são lisos e sem rugosidade, sem desníveis, aquosos, vítreos, limpos, transparentes.

A vibração das moléculas está alí, mas não é como as do motor do caminhão que são lentas e podemos quase que contar. Elas são tão rápidas que não ouvimos a vibração mas sim um som liso, sem vibração alguma.
Também temos a sensação de que sons mais graves são maiores do que sons mais agudos. Acho que essa impressão se dá porque nosso ouvido aprende – não sei se no decorrer de nossa formação auditiva durante nossos primeiros anos de vida ou se durante o processo de evolução da nossa espécie – que sons agudos soam em lugares pequenos; sons agudos invariavelmente provêm de fontes pequenas, sejam elas dispositivos como instrumentos musicais ou uma moeda ou uma taça de cristal ou um passarinho. Por sua vez, sons graves saem de lugares, de coisas grandes, como um contrabaixo acústico ou o motor de um caminhão, ou uma vaca... Que fique claro pra ti então que,

 som agudo vibra muitas vezes por segundo e que suas ondas de propagação são rápidas. Por sua vez, som grave vibra poucas vezes por segundo e tem ondas de propagação mais lentas.

O que é o som?

Na disciplina da Física denominada Acústica, estudamos que o som é produzido sempre por um fenômeno físico e que este fenômeno precisa de matéria para se propagar. O som não se propaga no vácuo. No ar - que é um complexo de vários gases, não nos esqueçamos disso - o som se propaga a uma velocidade de 340 metros por segundo. Em outros meios, como a água ou algum sólido como metais, madeira ou outro material sintético, essa velocidade de propagação é diferente; geralmente mais rápida. Peguemos como exemplo  o som produzido pelas nossas pregas vocais;

O ar, pressionado pelos músculos do nosso corpo é pressioado por entre as pregas vocais e conforme o controle que exercermos sobre estes músculos e sobre a espessura, tensão e resiliência dessas pregas, obtemos variedade de diferentes timbres, de diferentes “matizes“ sonoras; a interação física entre o ar sob infinitas matizes de intensidade de ataque muscular e as infinitas formatações possíveis de nossas duas membranas e suas cartilagens é que produzem a nossa voz, nossos diferentes timbres, nossa entonação, nosso volume de som.


              Mas como é que esse som produzido pela interação mecânica sai do meu aparelho fonador e chega até os ouvidos do meu aluno? Que mágica é essa que leva, que carrega essa interação mecânica de um lugar até outro no espaço?  Escrevemos aqui em cima que o ar é um composto de vários gases, e mesmo que não os vejamos, evidentemente eles estão aqui entre nós e dentro de nós, entrando, transformando-se e saindo; nós não vemos mas estamos totalmente imersos em gás. Pois é, a unidade básica da constituição de um gás é a molécula, então imagine uma molécula de gás dentro da sua laringe, que é onde ficam as suas pregas vocais. Imagine essa molécula aí dentro paradinha, encostada nas suas membranas. Daí a membrana vibra e durante essa vibração ela encosta na molécula e a contamina com essa vibração! A molécula agora não está mais parada, porque pegou, assim que nem se pega gripe, ela pegou a vibração da membrana, e como ela agora está vibrando também, esse movimento vibratório passa também para a molécula do lado, que por sua vez passa para outra que passa para outra e outra, até que essa vibração alcance o ouvido da outra pessoa. O ouvido é um órgão que se especializou em perceber, em sentir e decodificar essas vibrações moleculares, mas isso é outra história. No vácuo não tem gás, e é por isso que o som não se propaga. Se existe algo no vácuo ou se o vácuo é um lugar de não existência eu não sei, mas sem ar, caro leitor, sem som!